segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O ANALFABETO POLÍTICO

O pior analfabeto é o analfabeto político.


Ele não ouve, não fala, nem participa

dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida,

o preço do feijão, do peixe, da farinha,

do aluguel, do sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro

que se orgulha e estufa o peito

dizendo que odeia a política.

Não sabe o imbecil que da sua ignorância política

nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante

e o pior de todos os bandidos,

que é o político vigarista, pilantra,

o corrupto e lacaio

das empresas nacionais e multinacionais.

Texto de Bertold Brecht, escritor e teatrólogo alemão (1898/1956)



ESTUDO DO VOCABULÁRIO:

PESQUISE NO DICIONÁRIO E ESCREVA OS SIGNIFICADOS DE ACORDO COM O TEXTO LIDO:

orgulho

imbecil

ignorância

vigarista

pilantra

corrupto

lacaio



EXPLIQUE AS EXPRESSÕES DESTACADAS:

Não sabe o imbecil que da sua ignorância política “nasce” a prostituta...

O pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e “lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.



RESPONDA AS QUESTÕES ABAIXO:

É importante participar dos acontecimentos políticos do país? Por quê?

De que forma podemos participar dos acontecimentos políticos?

O que você entende por custo de vida?

O que é uma decisão política?

Por que o preço do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas?

Cite exemplos de decisões políticas no Brasil.

Como você vê o fato de alguém odiar a política?

Quais as características de um analfabeto político?

O autor do texto afirmou que “o pior analfabeto é o analfabeto político” . Nesta afirmação há uma outra crítica. Qual?

Bertold Brecht também disse que “o pior de todos os bandidos é o político vigarista, pilantra...”. Como podemos interpretar essa afirmação do autor?

O que fazer quando ficamos sabendo que um político está agindo desonestamente?



TRABALHO DE PESQUISA:

Pesquisar sobre as atividades de algumas empresas multinacionais.

Casos de corrupção no Brasil. (internet, recortes de jornais e revistas)

Pesquisar nos mercados próximos o preço dos produtos da cesta básica.

(as pesquisas, após serem lidas na sala, podem ser apresentados para a turma e/ou expostos para as demais turmas da escola)



EXPRESSÃO ARTÍSTICA:

Expresse o “analfabeto político” num desenho. (Os desenhos podem ser expostos para as demais turmas da escola)

Cantar o poema como se fosse um rap.

Declamar


PRODUÇÃO DE TEXTO:

Expresse sua opinião num texto, falando sobre a política brasileira.



DEBATE:

É possível ser analfabeto e não ser analfabeto político? Por quê?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

VIVER NÃO DÓI - CARLOS DRUMMOND


mhjmp7ypripvjin1wz“Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz. Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
iraqi_girl_smilesSofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar. Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!!
felicidade
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

O GATO SOU EU - FERNANDO SABINO


Excelente crônica escrita por Fernando Sabino, mas quem é o gato afinal? O psicanalista, tão atencioso em sua análise ou o cliente que lhe conta seu sonho? Entre um e outro, o gato firma-se como símbolo da liberdade incondicional de sonhar.
O gato sou eu
- Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.
- Continuou dormindo.
- Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.
- Que espécie de gato?
- Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.
- A que você associa essa imagem?
- Não era uma imagem: era um gato.
- Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?
- Associo a um gato.
- Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.
- Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.
- Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.
- Uma projeção do senhor?
- Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.
- Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.
- Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.
- Em quem o senhor está falando?
- Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.
- Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.
- Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.
- Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?
- Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.
- Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?
- Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.
- E eu insisto em dizer: não é.
- Sou.
- Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.
- Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…
- Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?
- É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.
- Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.
- Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.
- Já disse que o gato sou eu!
- Sou eu!
- Ponha-se para fora do meu gato!
- Ponha-se para fora daqui!
- Sou eu!
- Eu!
- Eu! Eu!
- Eu! Eu! Eu!
Fique por dentro:
Fernando Tavares Sabino (Belo Horizonte12 de outubro de 1923 — Rio de Janeiro11 de outubrode 2004) foi um escritor e jornalista brasileiro.Durante a adolescência, foi locutor de programa de rádio e começou a colaborar regularmente com artigos, crônicas e contos em revistas da cidade, conquistando prêmios em concursos.
No início da década de 1940, começou a cursar a Faculdade de Direito e ingressou no jornalismo como redator da Folha de Minas. Seu primeiro livro de contos, Os grilos não cantam mais, foi publicado em 1941, no Rio de Janeiro.
Tornou-se colaborador regular do jornal Correio da Manhã, onde conheceu Vinicius de Moraes, de quem se tornou amigo.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1944. Depois de se formar em Direito na Faculdade Federal do Rio de Janeiro em 1946, viajou com Vinicius de Moraes aos Estados Unidos da América, onde morou por dois anos em Nova Iorque.
O encontro marcado, uma de suas obras mais conhecidas, foi lançada em 1956, ganhando edições até no exterior, além de ser adaptada para o teatro. Sabino decidiu, então (1957), viver exclusivamente como escritor e jornalista. Iniciou uma produção diária de crônicas para o Jornal do Brasil, escrevendo mensalmente também para a revista Senhor.
Em 1960, Fernando Sabino publicou o livro O homem nu, pela Editora do Autor, fundada por ele,Rubem Braga e Walter Acosta. Publicou, em 1962A mulher do vizinho, que recebeu o Prêmio Cinaglia do Pen Club do Brasil.
Em 1966, fez a cobertura da Copa do Mundo de Futebol para o Jornal do Brasil. Fundou, em 1967, em conjunto com Rubem Braga, a Editora Sabiá, onde publicou livros de Vinicius de Moraes, Paulo Mendes CamposOtto Lara ResendeCarlos Drummond de AndradeManuel BandeiraCecília Meireles e Clarice Lispector, entre outros.
Publicou o romance O grande mentecapto em 1979, iniciado mais de trinta anos antes. A obra, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, e acabaria sendo adaptada para o cinema, com direção de Oswaldo Caldeira, em 1989, e também para o teatro. Em julho de 1999, recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra.
Faleceu em sua casa em Ipanema (zona sul no Rio de Janeiro), vítima de câncer no fígado, às vésperas de seu 81º aniversário.

A assembléia dos ratos - Monteiro Lobato

Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que
os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembléia para o estudo da
questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado,
fazendo sonetos à lua.
-Acho, disse um deles, que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um
guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a
tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa idéia. O projeto foi aprovado com delírio. Só
votou contra um rato casmurro, que pediu a palavra e disse:
Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo.
Todos, porque não tinha coragem. E assembléia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Dizer é fácil; fazer é que são elas!

Leia atentamente o texto abaixo e tente responder às questões.

“O que angustia a angústia manifesta, por um nada
que está em nenhures […]. A completa
insignificância que se anuncia no nada-e-nenhures
não indica uma ausência de mundo, mas adverte,
ao contrário, que o estado intramundo perdeu toda
a importância em si mesmo e que, sobre o fundo
desta insignificância do intramundo, nada mais há
a não ser o mundo que ainda possa, em sua própria
mundanidade, se impor.”
O ser e o tempo, Martin Heidegger
1. O que não indica uma ausência de mundo?
2. O que há sobre o fundo da insignificância do intramundo?

O sonho de Habib, filho de Habib Conto sufi*

Durante todo o dia, Habib, o tapeceiro, sentava-se diante de seu tear com os aprendizes à sua volta e tecia um lindo tapete. Mas seu filho, Habib, filho de Habib, quase nunca estava presente. Ele não se interessava por tapetes. Ele gostava de ir ao caravançará, onde se reuniam todas as caravanas de camelos no seu caminho para Samarkanda, para Bokara ou para as

praias da Enseada Dourada.
Um dia, enquanto olhava um cavalariço penteando a cauda prateada de um dos cavalos pertencentes a um mercador de Tabriz, Habib, filho de Habib, pensou consigo mesmo:
“Ah, se eu pudesse seguir as caravanas.”
– Por que você está tão interessado no lindo corcel do meu senhor? – perguntou o cavalariço. – Você, um menino empoeirado, deve estar muito mais acostumado com burros!
– Um dia, quando for mercador – disse Habib, filho de Habib –, terei um cavalo como esse, também terei bolsas cheias de ouro e vou me casar com uma princesa.
– Fora daqui, pequeno galo de briga! – gritou o cavalariço. – É melhor você sair de perto deste cavalo ou então vai levar um coice quando menos esperar.
Então o menino foi embora, e chegou em casa bem na hora em que seu pai ia sair à sua procura com uma grande vara na mão.
– Preguiçosa criatura! – gritou Habib. – Quando preciso de você para separar os fios de lã colorida você não está. Aonde você foi? Aposto que estava outra vez no caravançará.
Volte ao trabalho ou vai levar um surra.
– Pai, se eu pudesse ir com as caravanas para algum lugar diferente poderia fazer fortuna, tenho certeza disto.
– Sonhando acordado outra vez! – e Habib deu-lhe um tapa no pé do ouvido, levando, pela orelha, para dentro da loja.
Nessa noite, Habib, filho de Habib, esgueirou-se para fora de casa sob a brilhante luz da lua, determinado a juntar-se à caravana que partiria ao amanhecer. Debaixo do braço levava um pequeno tapete, o mais velho da loja, do qual ninguém sentiria falta, ele tinha certeza, pois há muito tempo estava jogado num canto. Esperava que quando seu pai notasse a sua ausência ele já estivesse longe.
No mercado, camelos com sinos em seus arreios estavam sendo carregados. Todos os mercadores arrumavam suas bolsas nas selas e suas cestas nas costas dos camelos. Habib, filho de Habib, aproximou-se de um velho homem de barba e disse:
– Bondoso senhor, deixe-me acompanhá-lo, pois quero viajar e meu pai só quer que eu faça tapetes.
– Vá embora – disse o mercador. – Não posso levá-lo comigo sem o consentimento de seu pai. Volte para falar com ele, e se ele permitir então pode ser que eu leve você comigo. Habib, filho de Habib, dirigiu-se a outro mercador:
– Tomarei conta de seus camelos, deixe-me ir com você para lugares distantes. Mas o homem respondeu:
– Você é muito pequeno e, de qualquer forma, já tenho dois meninos que cuidam dos meus camelos durante a viagem. Vá embora, volte para sua casa antes que notem a sua falta. Nesse momento os galos já começavam a cantar, e o dia estava nascendo. Os camelos se levantaram e logo iriam partir pelo portão da cidade em direção à terras estrangeiras.
Quando o último camelo estava partindo o homem que o guiava disse a Habib, filho de Habib:
– Quer seguir com a caravana, meu menino? Você parece estar sozinho e não ter ninguém para cuidar de você. Quer acompanhar-me no caminho de Samarkanda?
Então o menino pulou de alegria e saiu correndo ao lado do último dos camelos. O homem, que era um mercador de lã, seguiu ao lado de seu camelo, que estava carregado demais, e ficou contente de ter o menino como companhia. Seu nome era Qadir e disse a Habib, filho de Habib, que lhe daria um dinar de prata por mês se ele o ajudasse a cuidar de seu camelo nos poços e fontes de água.
Foram dias e noites de grande alegria para o menino enquanto ele viajava no final da enorme caravana de camelos, através de lugares montanhosos e desertos de areia, sob sol e
chuva até que chegaram a Samarkanda.
Habib, filho de Habib, ganhou seu primeiro dinar de prata e foi andar pelas ruas da cidade, procurando coisas para comprar. Comprou uma boina branca bordada com fios de seda e um colete verde de feltro revestido de algodão verde. Nessa noite não conseguiu dormir de tão feliz que estava. Sentou-se no tapete que havia trazido de casa e olhou para os brincos que havia comprado para sua mãe.
– Gostaria de poder voar nesse tapete – disse baixinho, enquanto olhava à sua volta.
Nem bem as palavras saíram de sua boca, ele já estava voando pelo ar sentado de pernas cruzadas sobre o tapete.
– Um tapete mágico! – ele gritou. – Eu nunca soube disso durante todos estes anos. Então se dirigiu ao tapete e disse:
– Leve-me ao palácio do rei deste país.
Era uma noite de lua brilhante, tão clara como o dia, e ele viu que, lentamente, o tapete o levava para o terraço de um palácio de mármore, onde, à luz da lua, a princesa Flor Dourada brincava com bolinhas de gude. A princesa era da mesma idade que Habib e ficou tão contente de ter um companheiro para brincar que o chamou para perto dela. Ela o confundiu com o filho do aguadeiro do palácio. Deu-lhe uma bola de rubi e pegou uma de cristal, ordenando lhe que tentasse vencê-la no jogo. Em alguns minutos várias bolinhas preciosas, um diamante, uma esmeralda e uma turquesa, estavam sendo espalhadas para todos os lados pelo rubi de Habib.
A princesa Flor Dourada estava começando a arrumar uma outra linha de bolinhas quando se ouviu um grito. A ama da princesa vinha correndo na direção deles.
– Princesa, princesa, volte para casa imediatamente! – ela gritou. – Que ousadia deste camponês empoeirado, vestido com um colete de feltro verde, vir brincar com a filha do rei!
Nesse momento, Habib, filho de Habib, pulou no seu tapete mágico e ordenou que ele começasse a voar.
– Leve-me de volta para minha própria casa! – disse. Imediatamente o tapete levantou vôo, para surpresa da princesa e da velha ama.
Houve um som de ventania, e tudo ficou escuro para Habib, filho de Habib. Ele começou a sentir-se tonto e seus olhos se fecharam. O tapete continuou a voar, e logo ele estava dormindo. Ele só acordou quando estava outra vez na casa de seu pai.
Abriu os olhos e viu que estava na sua própria cama. Os galos cantavam e o dia amanhecia.
– Acorde meu filho – disse o tapeceiro, sacudindo os ombros do filho. – Você gostaria
de seguir a caravana e ver o mundo? Eu consegui que um mercador de Bagdá consentisse em levá-lo com ele na viagem.
Habib, filho de Habib, olhou embevecido para seu pai. Então tudo tinha sido um sonho?
Mas ele segurava na mão uma bolinha vermelha, de rubi. Entregou-a ao pai.
– Veja, ganhei isto quando jogava com a princesa. Intrigado, o tapeceiro girava o rubi entre seus dedos.
– Onde achou isto? Se vendermos este rubi ao joalheiro ficaremos ricos. Tem certeza de que não o roubou?
– Eu o ganhei – insistiu o menino, e contou ao pai toda a história, do começo ao fim.
– É magia – gritou Habib, e correu para contar tudo à mulher.
Quando os dois foram falar com o menino, ele contou novamente a história, e eles acreditaram nele.
– Onde está o tapete voador? – perguntou sua mãe. Mas o tapete não se encontrava em parte alguma. Então Habib, filho de Habib, pôs um pouco de comida num alforje e correu para o caravançará. Habib deu-lhe sua bênção e o mercador de Bagdá prometeu trazê-lo de volta depois de seis meses.
Alguns anos mais tarde, quando cresceu o bastante, tornou-se mercador de tapetes e transportava a mercadoria de seu pai de país em país, e com isso conseguiu reunir grande riqueza. Então começou a se perguntar se existiria de fato uma princesa com o nome de Flor Dourada que ele conhecera no seu sonho e cujo rubi o colocou no caminho da fortuna. Durante as viagens perguntava a todos se a conheciam, até que chegou à terra de Sogdiana.
– Qual é o nome da filha do rei? – perguntou a alguém na casa de chá em que se encontrava.
– Princesa Flor Dourada – disseram.
Então ele soube que sua busca terminara. Enviou valiosos presentes para o rei e pediu permissão para casar-se com sua filha.
– Só se minha filha quiser – disse o rei.
E arranjou para que Flor Dourada visse o jovem através de uma treliça secreta que havia na parede da câmara de audiências.
Assim que a princesa pôs os olhos no jovem e belo mercador de tapetes se apaixonou por ele, e enviou uma mensagem a seu pai dizendo que se casaria com ele e com nenhum outro.
– Que assim seja – disse o rei. – A felicidade de minha filha é mais importante do que qualquer título de nobreza. Que os ritos de casamento sejam realizados.
Na festa de casamento, Habib, filho de Habib, colocou um rubi de raro valor incrustado em uma corrente de ouro em volta do pescoço de sua esposa.
Eles viveram felizes para sempre, até que Allah mandou buscá-los finalmente.

* Histórias da tradição sufi . Grupo Granada de Contadores de Histórias (seleção e tradução) e Nícia Grillo (coordenação).
Dervish, Instituto Tarika, 1993.

Aprendendo com os sábios


" Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina"

Cora Coralina