sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Zeus
Heloisa Prieto*

Para mim, é difícil explicar o que significa ser o deus dos deuses. Ter o poder supremo
da decisão, determinar os destinos das criaturas do universo, manter a ordem e a justiça na
terra e nos céus.
Amo o conhecimento, as luzes, a filosofia, as artes da cura e as grandes cidades. Amo também
as mulheres. Jamais resisto aos seus encantos. Sou casado com Hera, deusa belíssima, protetora dos
casamentos. Porém, embora eu a queira profundamente, continuo me apaixonando por lindas jovens.
Foi desses amores proibidos por Hera que nasceram Atena, Apolo e Ártemis, por exemplo. Os
ciúmes de minha mulher sempre me causaram inúmeros problemas e passei grande parte da vida
protegendo os filhos nascidos de meus romances proibidos. Hera nunca aceitou minha principal
missão divina que é fertilizar os seres, gerar criaturas excepcionais, aproximar os humanos dos deuses,
criar jovens semideuses de talentos insuperáveis. Além disso, ela jamais compreendeu a solidão de
quem tem o poder supremo e é responsável por todos os atos do universo.
Portanto, minha vida tem sido marcada pelas desavenças com Hera e pela disputa com
meu próprio pai, Cronos, o impiedoso deus do tempo…
Minha luta contra o tempo
Fui criado por ninfas, no interior de uma gruta secreta, longe dos olhos de meu pai.
Alimentado com mel e leite, fui muito amado por minhas doces protetoras.
Cresci desfrutando da beleza da natureza, caminhando pelos campos e praias, nadando
em águas salgadas. Mas chegou o momento em que senti que precisava finalmente enfrentar
meu próprio pai. Chamei Métis, a deusa da prudência, para que ela me aconselhasse. Como
poderia conquistar o poder que fora destinado? Como poderia tornar-me o deus dos deuses,
o senhor supremo do universo?
Os olhos penetrantes de Métis fitaram-me por alguns instantes antes que ela me dissesse
o que fazer:
– Você tem irmãos, Zeus, e precisa salvá-los. Eles foram engolidos por Cronos, mas não
estão mortos, e você poderá trazê-los de volta. Necessitará da ajuda deles para conseguir
conquistar o lugar que lhe pertence. Deve apresentar-se diante de seu pai como se fosse um
* Divinas aventuras – História da mitologia grega . São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1998.
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simples mortal e dar-lhe esta poção. – Métis entregou-me um lindo frasco de vidro que continha
um líquido brilhante e prosseguiu: – Esta poção foi preparada por Hécata, a pedido de sua mãe.
Quando Cronos a beber, seus irmãos desaparecidos ressurgirão. Juntos, vocês vencerão seu pai.
Quando entrei no luxuoso palácio de Cronos, aguardei na fila de mortais que lhe imploravam
favores. Jovens apaixonadas que haviam perdido seus amados em guerras suplicavam a Cronos
que ele fizesse o tempo voltar. Inútil. “O que passou, passou”, era o que ele lhes dizia, curta e
secamente. Velhos apavorados diante da morte pediam-lhe que retardasse a passagem dos minutos.
“O tempo não pára”, ele repetia, impassível. Filhos saudosos rogavam-lhe que ele apressasse as
horas para que seus pais retornassem de perigosas viagens o mais rapidamente possível. “Mas o
tempo voa! Por que querem mais rapidez ainda?”, ele respondia com um sorriso irônico.
Quando chegou minha vez, declarei:
– Eu não desejo nada, mestre do tempo. Quero apenas dar-lhe um presente. O tempo
tem sido bondoso comigo, pois durante toda a minha vida só senti a felicidade.
Curioso, Cronos apanhou o belo frasco com seu líquido brilhante.
– O que é isso, meu jovem?
– Uma bebida de sabor inigualável, feita com mel de abelhas especialmente para Vossa
Majestade.
Cronos sorriu e destampou o vidro. Olhei para o chão, tentando ocultar minha
ansiedade. De um só gole, meu pai bebeu o conteúdo do frasco. E logo em seguida começou
a contorcer-se. Abriu a boca, e dela saíram três minúsculos bebezinhos. As crianças foram
iluminadas por raios de luz e, contrariando todas as leis do tempo, cresceram numa fração de
segundo. Depressa me vi cercado por vários irmãos e irmãs que instantaneamente se
posicionaram para enfrentar Cronos e seus ajudantes, os Titãs.
No entanto, como já disse, Cronos era o senhor absoluto do tempo. Embora fôssemos muitos
e bem mais fortes, nossos movimentos foram retardados pela lenta passagem das horas e nossa luta
acabou durando dez anos terrestres. Vencemos graças à ajuda dos Cíclopes, imensas criaturas com
apenas um olho no meio da testa, que, como nós, haviam sido prejudicados por Cronos.
A cada um de nós, filhos e adversários de Cronos, foi entregue uma arma especial. Eu
recebi os raios e trovões. Hades, meu valente irmão, recebeu um capacete mágico que o
tornava invisível; e Posêidon, o magnífico deus dos mares, recebeu seu poderoso tridente,
cujo golpe rompia terras e águas. E assim, munidos de novos poderes, enfim triunfamos.
Após nossa vitória, repartimos o universo. Hades decidiu reinar nos mundos
subterrâneos e secretos, Posêidon, no universo marinho, e a mim foram dados os céus e o
trono de senhor do universo.
Fui encarregado ainda de governar o destino dos homens. À porta de meu palácio, tenho
dois enormes jarros. Um deles contém os bens da vida, e o outro, os males. Ao longo da existência
de meus súditos humanos, espalho um pouco do conteúdo de cada um dos jarros. Infelizmente,
já me descuidei algumas vezes; em conseqüência disso, certas pessoas foram premiadas com
uma vida de alegrias, e outras, com uma vida de tristezas. Mas tenho sido cauteloso ultimamente.
E também generoso. Em especial para com vocês, que agora me ouvem confessar esses segredos.
Zeus: Deus dos céus. Protege a ordem e a justiça.

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" Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina"

Cora Coralina